Histórias de Moradores de Ilhéus

Esta página em parceria com o Museu da Pessoa é dedicada a compartilhar histórias e depoimentos dos Moradores da cidade.

História da Morador: Moisés Bispo dos Santos
Local:
Bahia
Publicado em: 29/04/2014


 



A descoberta da poesia


Sinopse:

Moisés nasceu em Ilhéus, na Bahia, e mudou-se para São Paulo em busca de melhores condições de vida. Em São Paulo, encontrou emprego e aprendeu a ler e escrever para nunca mais tomar o ônibus errado. Com os estudos, passou a valorizar os livros e a gostar de poesia. Chegou a montar uma biblioteca comunitária apenas com doações e cultiva seu gosto por poesia escrevendo seus próprios poemas.

História
:

Moisés Bispo dos Santos, eu nasci na cidade de Ilhéus, primeiro de janeiro de 1966. Dei trabalho pra minha mãe no ano novo. (risos) Eu tenho 11 irmãos, falecidos dois.

Eu morava no Bairro Pontal. Uma casa simples, é um bairro bom. Era uma casa de quatro cômodos, um banheiro, quintal grande, que lá na Bahia nós temos quintal grande. A gente tinha beliche, um em cima do outro.

Meu pai trabalhava na roça de cacau e minha mãe também. Eu trabalhei muito tempo na roça. A gente tinha um sítio, temos um sítio pequeno lá. Eu fui com dez anos, a gente trabalhava no cacau, né, colhia cacau, quebrava, secava. É porque a gente planta as mudas, planta as sementes no viveiro. Quando as mudas estão mais ou menos uns quatro centímetro, sei lá, um... Aí, a gente planta. Abre um buraco no chão, e coloca a muda, rasga aquela, o viveirinho, aquela... É um saquinho preto da Ceplac, que é um órgão que toma conta do cacau, a gente abre um buraco e planta o cacau no chão, aquelas mudinhas. É simples. Até as menina iam. São seis mulheres e cinco homem na nossa família.

A gente brincava na roça mesmo, nos rios, que lá tem muito rio. Fim de semana a gente ia na praia. Assim. A gente brincava de tudo, brincava de ciranda, brincava de contar história, brincava de tudo, fazia aqueles balanços nos pés de cacau, nos pés de mangueira, jaqueira também, que lá tem muito. Era assim a nossa vida.

Estudava assim, a gente ia, ficava uns dia na escola, saía pra ir pra roça, que a gente ficava pouco tempo na rua, mais na roça. Então, não dava tempo de estudar. Aí, eu me alfabetizei aqui em São Paulo. Fui pra escola com 22 anos, estudei até a oitava série.

Meu pai faleceu em 1999, não, 1989. Minha mãe ainda é viva, ainda. Inclusive a biblioteca tem o nome do meu pai, a Biblioteca Comunitária Antonio Bispo. Eu homenageei ele porque ele era muito guerreiro.

Eu vim em busca de serviço aqui pra São Paulo em 1987. Ah, porque eu tinha uma expectativa de vida melhor. Trabalhar pra ganhar o meu dinheiro, porque lá na Bahia a gente trabalhava, trabalhava era só pra comer mesmo. Não tinha um dinheiro no bolso, não tinha uma roupa legal. Por isso.

Eu vim de ônibus, [quando cheguei tive a impressão] de sei lá cidade grande, os prédios altos, a gente fica assim, admirando, no meio daqueles arranha-céus, principalmente quando eu ia lá pro centro de São Paulo ficava só olhando. Hoje não, hoje pra mim é normal.

A firma que a gente veio trabalhar, a obra, era lá na Vila Euclides, aquela Escola Barão de Mauá, não sei se você conhece. Foi um amigo meu que vinha, aí me trouxe pra nós trabalharmos nessa firma. [Fui morar] no alojamento da obra. Naquela época tinha muito alojamento na obra. Hoje em dia não tem mais, mas hoje em dia eles alugam casa, mas naquela época a gente ficava na obra mesmo. [Foi em] 1987. [Era] construção civil. Foi [meu primeiro trabalho na construção civil], carteira fichada. [Eu era] ajudante.

Me lembro que um colega meu morreu [no alojamento]. Chegou do Piauí, o irmão dele trouxe, é Gildésio, chegou o irmão dele, veio com 19 anos, chegou, com três dias morreu. O barranco despencou e matou ele. Foi uma coisa bem chocante, bem triste.

Aí, eu comecei a estudar, a gente ia muito pro teatro. Era aquela época que tinha muitas peças de teatro. Eu tinha um amigo meu que gostava muito de teatro, ele fazia teatro, e a gente ia assistir as peças. Era assim que a gente ia. [Estudei] na Escola Maria Adelaide, lá na Vila Euclides. A professora Zenaide que eu não esqueço até hoje. Eu estudei da primeira série até a quinta com a Zenaide. Muito legal. Eu saía do serviço e ia pra escola. Eu comecei a escrever poesia, comecei ler livro de poesia, aí pronto, me apaixonei. Eu leio assim, quando eu vejo alguma coisa que me interessa, eu vou lá e leio, mas eu sou um pouco preguiçoso pra ler (risos).

[Comecei a escrever] eu estava na quinta série. Foi legal, porque a gente perdia muito ônibus, daqui que eu perguntava às pessoas onde passava, não sabia pegar o ônibus, tinha que tá pedindo às pessoas, falei: “Não, vou entrar na escola”. Aí, entrei na escola, aprendi, e graças a Deus que foi rapidinho, comecei pegar ônibus e pronto. Aprendi rápido. Parei de perguntar às pessoas. Eu peguei muito ônibus errado, que as pessoas me ensinavam errado. Tem gente maldosa, né, que fala: “Ah, você pega esse aí”, você vai pra um canto que não tem nada a ver pra onde você ia. (risos)

Lembro [de uma das minhas poesias de cor]: Meu sabiá cantador, eu quero ouvir você cantar, no alto do ingazeiro, canta, canta sabiá. Que mistério tem a noite, que tu paras de cantar, quando o dia amanhecer, canta, canta sabiá. Ó meu doce sabiá, como é grande o meu penar, eu quero ter alegria pra cantar em parceria, com você, meu sabiá. E outra: eu sou a noite eu sou o dia, eu sou o vento que sopra os cabelo da Maria, eu sou a lua, os carro que passa na rua. Eu sou a nuvem que passa, eu sou a fumaça, eu sou o sol que brilha, a estrela que pisca, alguém que grita. Por que gritar? Ouço a sereia cantar, sou areia, é o mar. Eu sou o amor, sou a flor, flor que brota no jardim, flor de jasmim, a mais cheirosa. Sou o cravo, sou a rosa, rosa vermelha, rosa amarela, rosa branca, o pranto, o encanto, a lágrima de uma criança, eu sou a lembrança. Eu sou eu, eu sou você, eu sou. Então, é uma das minhas poesias. Elas estão registradas em cartório.

Aí, eu casei, teve minha primeira filha, depois vieram as gêmeas, aí eu parei de fazer teatro. Eu não casei, ajuntei com a menina, entendeu? Aí, nós vivemos 15 anos, aí separamos.

Troquei de trabalho, eu fui pra fábrica, depois voltei pra obra de novo. Fiquei trabalhando no comércio um bocado de ano, agora tô trabalhando na obra de novo. Aqui na obra do CEU.

A gente morava lá na favela lá em baixo, lá no caveirinha, chama Cavoca. Aí, teve uma enchente, aí eles trouxeram a gente pro alojamento, a administração passada. Foi o Dib, na administração do Dib. A favela era bem, eram pequenos os barracos. O meu barraco era grande, mas a favela era pequena. Passava um rio, não era legal morar lá.

Tem [um fato marcante] a enchente, que foi triste. Foi em 2006, que foi no fim de 2006 que nós viemos pro alojamento. Foi no mês de dezembro a enchente. No início do ano, no fim do ano. As minha filha eram todas pequenas. A gente colocou elas em cima da mesa. Aí, foi alagando, foi alagando. Aí, a minha amiga, ela tinha uma casa no alto, que era construída, aí pegou as crianças, botou tudo pra lá até a água abaixar. No outro dia tava tudo os barracos tudo desmanchado. Aí, nós viemos pro alojamento. Sobrou só a televisão que nós pegamos, colocou na vizinha. Aí, bem pouca coisa que sobrou. Roupa foi tudo embora. Depois nós compramos tudo de novo. Documento nós fizemos outros.

Desde quando eu morava na obra que eu tinha bastante livro, que eu gostava de ler poesia. Aí, eu fui juntando esses livros, aí quando foi um dia falei com a minha filha: “Tem muito livro aqui dentro de casa. Vamos criar uma biblioteca?”, “Vamos”. Aí, quando foi 2010, nós montamos essa biblioteca. Nós colocamos na internet, aí foi chegando livros, foi chegando. Doação de livros, é. A gente fazia, escrevia e entregava às pessoas, com endereço, aí foi chegando livro. O pessoal trazia. A gente dava o endereço, chegava duas, três caixas de livro. E a gente foi montando a biblioteca. A gente catalogava tudo bonitinho por... A ideia do livro, cada... História é história, poesia e teatro. Todas catalogadas bonitinho, muito bom. Aí, ganhamos oito computadores. Nós fizemos uma lan housinha, só que não tinha internet, entendeu? Mas a criançada ia lá brincar com o computador, era muito bom. Ficava dentro de um alojamento, aí o pessoal tinha saído uma família, como a sede nossa era pequena, aí saiu uma família e nós usamos o alojamento daquela família e nós fizemos a biblioteca. Eles reformaram, a prefeitura reformou o alojamento todo, colocou madeira nova, fez bonitinho, e nós catalogamos, ficou bonito.

A gente criou uma associação com o nome Esperança em Viver Melhor. E era assim, a gente se organizava, a gente fazia festa, a gente fazia protesto também, muitas vezes. A gente, essa avenida foi palco dos nossos protestos. E fechava a rua, parava os carros. Era assim que a gente fazia pra poder acordar a administração. Brincadeira as crianças não tinham, porque o pátio era pequeno e quando as criança estavam brincando, a polícia entrava atirando pra pegar os traficante. A gente fazia quermesse, fazia festa junina, a gente fazia bingos, arrecadar dinheiro pra poder nós irmos correr atrás de poder público, a gente ir atrás do Ministério Público, pra gente ia na prefeitura. Então, assim que a gente organizava pra poder ter dinheiro pra poder correr atrás dos nossos ideais. Era assim que a gente se organizava.

A gente ficou um ano no aluguel, na bolsa aluguel. Aí, quando terminaram de fazer os prédio nós retornamos pras unidades habitacionais. Eu mudei no dia 12 de agosto de 2012. Foi legal, a gente sente assim “Poxa, agora a gente tá naquela casinha”, né? Não foi acabada, mas a gente trabalha um pouco e termina. Mudei com minhas filhas. Sempre eu crio minhas filhas, as três. Porque quando eu separei da mãe delas, elas ficaram comigo, não quiseram ir com a mãe. Eu ia ter uma netinha também. A família tá aumentando um pouquinho (risos).

Então, tinha uma senhora que tomava conta delas, muito tempo. Aí, quando nós mudamos pro alojamento, aí eu parei de trabalhar, criei meu negócio, meu comércio, né? Aí, pronto, eu não saía mais pra trabalhar fora. Eu vendia tudo. Eu vendia roupa, vendia produto de limpeza, vendia cerveja, vendia tudo que eu pudesse vender eu tava vendendo. Era assim. Eu fiz um barraco, uma pessoa mudou, deixou uma garagem. Aí, eu usei aquela garagem, montei o comércio. Tenho até hoje. Aí, eles construíram o prédio, aí me deu minha unidade.

A principal mudança? Ah, porque você sai de um barraco de madeira e vai morar numa casa construída é melhor, né? Aí, volta uma sensação lá da Bahia de novo, porque a nossa casa na Bahia é boa, né? Então, volta mesmo aquela sensação. Morar em barraco é ruim, viu? Barata, rato, lesma, tudo o que é ruim tem no barraco e na casa não tem nada disso, no apartamento.

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